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5 formas de evitar a rotina nesta fase de pandemia

Estas semanas estão a passar tão rápido que sinto que não tenho feito nada de jeito. Vivemos numa fase de casa-trabalho-casa e a rotina do dia-a-dia torna os dias mais rápidos. Não é mau, mas eu, que gosto de fazer coisas novas, sinto-me estagnada e a viver de forma automática. 


Tenho vindo a pensar com os meus botões em formas de evitar sentir-me em modo-rotina. Partilho aqui algumas ideias que tive para não me sentir a fazer sempre a mesma coisa.   

__ Fazer bolos
Aquele cliché da pandemia. Sim, sou dessas. Comprei farinha e ingredientes para fazer bolinhos e queques à noite, em casa. 


__ Arrumar aquela gaveta
Quem é que não tem uma gaveta da confusão? Eu tenho! A gaveta onde colocamos tudo o que queremos "arrumar depois". Vou pegar nessa gaveta na próxima semana!

__ Ler livros
Esse já é um vício que tenho há anos. Mas agora decidi variar entre poesia e prosa. No meu cantinho da meditação tenho o livro de sonetos da Florbela Espanca. Abro uma página ao calhas e delicio-me com as palavras dela. 


__ Fazer um curso online
Cada vez mais há cursos online sobre todos os temas. Sejam gratuitos ou com valor simbólico, quase todos têm horário pós-laboral, por isso torna-se fácil aprender algo novo sempre que quisermos. 

__ Fazer uma máscara facial
Não há hipótese agora de dizer que não há tempo. Há tempo. Entre casa e trabalho, agora nem vou ao café à noite! Em casa, no quentinho do lar e de pijama confortável, vou colocar aquelas películas na cara e cuidar de mim!

P.S. - Entretanto, há dias atrás, peguei numa enciclopédia guardada em casa! Há quanto tempo não pegam num calhamaço desses? Que saudades de pesquisar temas para a escola nesses grandes livros de conhecimento! Onde andam as vossas? Já se lembraram de ir lá folhear como nos outros tempos?


Contem-me tudo! O que inventam para que esta pandemia não vos faça ficar loucos? 😵

Beijos.
A.V.

Super recomendo este livro!

"Como é que algo que nos é inato e parte integrante do nosso verdadeiro ser pode ser tão difícil de alcançar? Porquê tanta infelicidade, se nos foi dada a capacidade de sermos felizes? Sabe bem ouvir dizer que a paz, a felicidade, a alegria, o amor e o sucesso são intrínsecos ao espírito humano. Mas, então, e a raiva, a tristeza, o desespero, a vaidade, o ciúme, a ansiedade e os pequenos juízos diários que abafam o som primordial do silêncio interior? Existe realmente uma maneira de sermos livres? De amar todos os seres vivos? De viver a nossa grandeza e de cumprir o nosso potencial mais elevado?"


Comprei o meu na Bertrand 

Que livro! Que livro! Que livro!
Este é daqueles livros que lemos do início ao fim e ficamos a pensar horas sobre ele mesmo quando paramos de ler. É aquele tipo de livro que nos toca mesmo mesmo mesmo lá na nossa ferida mais oculta e nos obriga a abrir os olhos. É aquele livro que provoca dores de barriga. É o tipo que livro que eu mais gosto. E já o li todo mas ainda não parei de pensar nas palavras lá escritas. 

Sobre auto conhecimento. Sobre deixar ir. Sobre aceitação... Não! Não vou ser spoiler! Leiam e depois digam se eu tenho ou não tenho razão! 💗😎

Felicidade Clandestina - Clarice Lispector

"Eu ia andando pela avenida Copacabana e olhava distraída edifícios, nesga de mar, pessoas, sem pensar em nada. Ainda não percebera que na verdade não estava distraída, estava era de uma atenção sem esforço, estava sendo uma coisa muito rara: livre. Via tudo, e à toa. Pouco a pouco é que fui percebendo que estava percebendo as coisas. Minha liberdade então se intensificou um pouco mais, sem deixar de ser liberdade. Não era tour de propriétaire, nada daquilo era meu, nem eu queria. Mas parece-me que me sentia satisfeita com o que via. E tive então um sentimento de que nunca ouvi falar. Por puro carinho, eu me senti a mãe de Deus, que era a Terra, o mundo. Por puro carinho, mesmo, sem nenhuma prepotência ou glória, sem o menor senso de superioridade ou igualdade, eu era por carinho a mãe do que existe. Soube também que se tudo isso "fosse mesmo" o que eu sentia — e não possivelmente um equívoco de sentimento — que Deus sem nenhum orgulho e nenhuma pequenez se deixaria acarinhar, e sem nenhum compromisso comigo. Ser-Lhe-ia aceitável a intimidade com que eu fazia carinho. O sentimento era novo para mim, mas muito certo, e não ocorrera antes apenas porque não tinha podido ser. Sei que se ama ao que é Deus. Com amor grave, amor solene, respeito, medo, e reverência. Mas nunca tinham me falado de carinho maternal por Ele. E assim como meu carinho por um filho não o reduz, até o alarga, assim ser mãe do mundo era o meu amor apenas livre. E foi quando quase pisei num enorme rato morto. Em menos de um segundo estava eu eriçada pelo terror de viver, em menos de um segundo estilhaçava-me toda em pânico, e controlava como podia o meu mais profundo grito. Quase correndo de medo, cega entre as pessoas, terminei no outro quarteirão encostada a um poste, cerrando violentamente os olhos, que não queriam mais ver. Mas a imagem colava-se às pálpebras: um grande rato ruivo, de cauda enorme, com os pés esmagados, e morto, quieto, ruivo. O meu medo desmesurado de ratos. Toda trêmula, consegui continuar a viver. Toda perplexa continuei a andar, com a boca infantilizada pela surpresa. Tentei cortar a conexão entre os dois fatos: o que eu sentira minutos antes e o rato. Mas era inútil. Pelo menos a contiguidade ligava-os. Os dois fatos tinham ilogicamente um nexo. Espantava-me que um rato tivesse sido o meu contraponto. E a revolta de súbito me tomou: então não podia eu me entregar desprevenida ao amor? De que estava Deus querendo me lembrar? Não sou pessoa que precise ser lembrada de que dentro de tudo há o sangue. Não só não esqueço o sangue de dentro como eu o admito e o quero, sou demais o sangue para esquecer o sangue, e para mim a palavra espiritual não tem sentido, e nem a palavra terrena tem sentido. Não era preciso ter jogado na minha cara tão nua um rato. Não naquele instante. Bem poderia ter sido levado em conta o pavor que desde pequena me alucina e persegue, os ratos já riram de mim, no passado do mundo os ratos já me devoraram com pressa e raiva. Então era assim? 

Eu andando pelo mundo sem pedir nada, sem precisar de nada, amando de puro amor inocente, e Deus a me mostrar o seu rato? A grosseria de Deus me feria e insultava-me. Deus era bruto. Andando com o coração fechado, minha decepção era tão inconsolável como só em criança fui decepcionada. Continuei andando, procurava esquecer. Mas só me ocorria a vingança. Mas que vingança poderia eu contra um Deus Todo Poderoso, contra um Deus que até com um rato esmagado podia me esmagar? Minha vulnerabilidade de criatura só. Na minha vontade de vingança nem ao menos eu podia encará-Lo, pois eu não sabia onde é que Ele mais estava, qual seria a coisa onde Ele mais estava e que eu, olhando com raiva essa coisa, eu O visse? No rato? Naquela janela? Nas pedras do chão? Em mim é que Ele não estava mais. Em mim é que eu não O via mais. Então a vingança dos fracos me ocorreu: ah, é assim? pois então não guardarei segredo, e vou contar. Sei que é ignóbil ter entrado na intimidade de Alguém, e depois contar os segredos, mas vou contar — não conte, só por carinho não conte, guarde para você mesma as vergonhas Dele — mas vou contar, sim, vou espalhar isso que me aconteceu, dessa vez não vai ficar por isso mesmo, vou contar o que Ele fez, vou estragar a Sua reputação. 

Mas quem sabe, foi porque o mundo também é rato, e eu tinha pensado que já estava pronta para o rato também. Porque eu me imaginava mais forte. Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil. É porque eu não quis o amor solene, sem compreender que a solenidade ritualiza a incompreensão e a transforma em oferenda. E é também porque sempre fui de brigar muito, meu modo é brigando. É porque sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria — e não o que é. É porque ainda não sou eu mesma, e então o castigo é amar um mundo que não é ele. É também porque eu me ofendo à toa. E porque talvez eu precise que me digam com brutalidade, pois sou muito teimosa. E porque sou muito possessiva e então me foi perguntado com alguma ironia se eu também queria o rato para mim. É porque só poderei ser mãe das coisas quando puder pegar um rato na mão. Sei que nunca poderei pegar num rato sem morrer de minha pior morte. 

Então, pois, que eu use o magnificat que entoa às cegas sobre o que não se sabe nem vê. E que eu use o formalismo que me afasta. Porque o formalismo não tem ferido a minha simplicidade, e sim o meu orgulho, pois é pelo orgulho de ter nascido que me sinto tão íntima do mundo, mas este mundo que eu ainda extraí de mim de um grito mudo. Porque o rato existe tanto quanto eu, e talvez nem eu nem o rato sejamos para ser vistos por nós mesmos, a distância nos iguala. Talvez eu tenha que aceitar antes de mais nada esta minha natureza que quer a morte de um rato. Talvez eu me ache delicada demais apenas porque não cometi os meus crimes. Só porque contive os meus crimes, eu me acho de amor inocente. Talvez eu não possa olhar o rato enquanto não olhar sem lividez esta minha alma que é apenas contida. Talvez eu tenha que chamar de "mundo" esse meu modo de ser um pouco BC tudo. Como posso amar a grandeza do mundo se não posso amar o tamanho de minha natureza? 

Enquanto eu imaginar que "Deus" é bom só porque eu sou ruim, não estarei amando a nada: será apenas o meu modo de me acusar. Eu, que sem nem ao menos ter me percorrido toda, já escolhi amar o meu contrário, e ao meu contrário quero chamar de Deus. Eu, que jamais me habituarei a mim, estava querendo que o mundo não me escandalizasse. Porque eu, que de mim só consegui foi me submeter a mim mesma, pois sou tão mais inexorável do que eu, eu estava querendo me compensar de mim mesma com uma terra menos violenta que eu. Porque enquanto eu amar a um Deus só porque não me quero, serei um dado marcado, e o jogo de minha vida maior não se fará. Enquanto eu inventar Deus, Ele não existe."
Perdoando Deus - Clarice Lispector